terça-feira, 13 de agosto de 2013

Eu sou neguinha sou neguinhaaa




Não sei em que ano foi, eu ainda estava no ensino médio, que fiz em uma das melhores escolas da cidade do Rio, apesar de morar em um dos bairros mais pobres, porque eu sempre fui aplicada e pedi aos meus pais para entrar em um cursinho pré-técnico/escola militar quando eu tinha 14 anos, com direito a desenho de quanto eles iam economizar pra vida se me deixassem fazer o curso (cara, eles nunca mais pagaram escola!). Tanto fiz que fiz o cursinho em Madureira, todo dia, sem almoçar, voltando sozinha pra casa de onibus - uma liberdade absurda pro que era minha vida antes (casa >  escola > cursinho de ingles > nataçao > casa) e passei para um dos lugares mais importantes da minha vida (Federal de Química, atual IFRJ, eterna Cefeteq). Enfim, voltando, nesse ano, acho que eu estava no meu segundo ano e começaram a falar em cotas raciais... Eu era contra, como toda pessoa que acredita no mérito. Como assim um negro, só pela cor poderia levar vantagem no vestibular? Justo no vestibular? Aquilo que atormenta qualquer estudante do Brasil! Foi então que uma pessoa sentou ao meu lado no metro, e como eu gostaria de saber quem ele era.. Não me lembro do nome, mal me lembro do rosto ou do jeito, mas era bem tranquilo e simpático. Não sou nada falante em transportes públicos, mas ele puxou assunto e me perguntou o que eu achava das cotas... Respondi, talvez mais pela curiosidade de falar e saber mais disso. Respondi com todo o texto formatado que eu sabia e que todos os meus amigos e seus pais e seus amigos falariam e disse que não sabia direito, mas achava que era contra. E quando eu me calei, talvez animado por eu não ter dito não de cara, ele começou a falar, a me indagar se eu achava que o racismo ainda acontecia no Brasil. E não sei em qual momento no meio da conversa uma ficha pesada caiu em cima da minha cabeça. "Meus Deus, será possível ser  discriminado/ diminuído/ maltratado/ marginalizado somente pela cor que tenho?" E veio um pensamento ainda mais feio e abominável. "Até um negro rico sofrerá preconceito em algum momento da sua vida e eu com minha pele parda, com minha morenice de sol de praia posso ser discriminada também por ser eu".... Pelo conjunto maravilhoso de genes que fazem de mim o que eu sou. A gente vê o racismo na ponta da língua das pessoas, num comentário de um primo, na visão limitada de uma avó, mas ninguém lembra a gente que a gente pensa dessa forma. Que é isso que os livros de história ensinam, que pensamos assim, que o racismo está na cultura do "negro pobre" e no medo que a gente sente do homem humilde quando ele vem na nossa direção na rua e que pode ser um trabalhador como um homem qualquer. E toda essa comoção não trouxe/traz mais racismo do que o que já existe na nossa sociedade, cota não é sinônimo disso... OK, que é um método paliativo e o ideal era o respeito mútuo pro verde, amarelo ou negro, mas a gente sabe que culturalmente é impossível mudar isso. A pessoa que despertou em mim esse sentimento se despediu dizendo que talvez eu fosse muito nova para perceber como a vida pode ser dura com o outro e que achava que um dia eu ia ser capaz de levar esse pensamento adiante e propagar a reflexão, quando eu perguntei que ele era, descobri que ele era um historiador. Em nenhum momento ele tentou impor sua opinião, ele mal falava do que ele pensava. Só sendo negro para entender o que deve ser subjugado somente pela cor, talvez só assim para entender como deve ser saber que seus antepassados morreram sem motivo algum e foram abusados e explorados pela sua cor de pele. E não tem hipocrisia maior no Brasil do que não ser negro. Somos uma das maiores misturebas do mundo e eu não ia querer ser outra coisa.

A vida tem dessas coisas, tem desses momentos em que inesperadamente você conhece alguém ou conversa coim alguém e passa a ver o mundo inteiro com outros olhos... Desde então, tento nunca fechar os meus olhos e meus ouvidos às mudanças do mundo e principalmente para apobreza e descaso que faz parte da vida de muita gente, no mundo mas também aqui perto de casa, nas favelas que tem perto de onde eu moro. E eu juro solenemente não virar uma pessoa intransigente e limitada nessa vida e de vez em quando eu tenho que falar isso de novo para não esquecer nunca.

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